Audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente sobre alteração do zoneamento ambiental para a atividade da silvicultura colocou frente a frente representantes de posições antagônicas. O debate, proposto pelos deputados Miguel Rossetto e Jeferson Fernandes, ambos do PT, durou mais de três horas e reuniu em torno de uma mesma mesa ativistas ambientais, representantes de empresas florestais, autoridades governamentais e parlamentares de diferentes partidos.
Os proponentes do encontro reconhecem a importância da atividade para a economia gaúcha, mas defendem a necessidade de esclarecer as dúvidas e ouvir as críticas dos defensores do meio ambiente. “As informações que nos chegam é que o estudo que embasa a mudança na legislação se reduz a uma visão economicista, sem levar em conta o impacto ambiental que poderá gerar. Precisamos saber o que ganha a economia e o que perde a natureza para que possamos agir com equilíbrio”, apontou Jeferson.
Rossetto acrescentou que, apesar de fazer parte da cultura produtiva e ser estratégica para o Rio Grande do Sul, a silvicultura está concentrada na Metade Sul, impactando de forma direta no Bioma Pampa. “Isso precisa ser levando em conta e tratado com todo o cuidado para que possamos organizar nossas ações e escolher o que for mais adequado para o desenvolvimento do estado com sustentabilidade”, ressaltou.
No final do encontro, o petista se declarou frustrado com o debate, pois considerou que faltaram apresentações sobre o diagnóstico do setor, a experiência a partir do zoneamento de 2008, especialmente em relação às florestas de eucaliptos e pinus, e as diretrizes do projeto de atualização. Em função disso, uma nova audiência pública sobre o tema será realizada, após a análise da matéria pelas câmaras técnicas do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e antes da deliberação final do órgão. “Precisamos conhecer o mapa da silvicultura para visualizar o cenário de expansão da atividade em nosso estado”, justificou Rossetto.
Riscos ambientais
Documento produzido por um grupo de técnicos da Fundação Estadual de Proteção do Meio Ambiente (Fepam) aponta que o conceito básico que norteia a atualização do zoneamento pode resultar na extinção de espécies, além de não mencionar qualquer restrição de espaçamento entre maciços florestais. De acordo com o engenheiro Rafael Fernandes Silva, diretor do Semapi, o documento sinaliza fragilidade técnica e ausência de informações detalhadas que permitam uma análise conclusiva do balanço hídrico das áreas ocupadas pela silvicultura.
Já o professor Paulo Brack, representante da Coalizão do Pampa, união de organizações não-governamentais que atuam na defesa do meio ambiente, disse que o Bioma Pampa, dos seis existentes no Brasil, foi o que mais perdeu território nas últimas três décadas. A redução, segundo ele, foi de 29,5%, enquanto a silvicultura cresceu 1.500% no mesmo período no Rio Grande do Sul.
Ele admite pequenos avanços na proposta do novo zoneamento, mas alertou que é necessário mais tempo para debater o assunto. Defendeu ainda que, para ser aprovado, é necessário que se deixe claro o tamanho máximo dos maciços, o espaçamento entre eles e o percentual de plantio para cada unidade de paisagem.
Contraponto
O vice-presidente da Farsul, Domingos Antônio Velho Lopes, lembrou que a legislação deixou de ser cumprida porque não revisou o zoneamento em 2013, como determina a lei aprovada em 2008. “Estamos atrasados uma década. Não existe a possibilidade de admitir que não houve tempo para discutir a proposta, que desde 2020 já vem sendo tratada e, em 2022, foi objeto de diversas reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho Estadual de Meio Ambiente”, frisou, revelando que a consulta pública sobre a matéria resultou em 215 contribuições (171 favoráveis, 26 indefinidas e 17 contrárias pertinentes).
O dirigente reagiu à pecha de que o novo zoneamento “só objetiva a ampliação dos maciços” e ressaltou que hoje há condições técnicas mais apuradas para equalizar espaçamento e questões híbridas.
A secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, garantiu que o novo zoneamento não ultrapassará a legislação que trata da Mata Atlântida, o Código Florestal Federal e os limites que serão definidos para a conservação do Bioma Pampa. “O rito que está sendo percorrido é muito rigoroso e fiel à democracia”, declarou em referência à análise em curso no Conselho do Meio Ambiente e ao processo de consulta pública.
Por outro lado, o presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), Luís Augusto Alves, afirmou que o setor tem por princípio não agredir o meio ambiente “não só por questões de sustentabilidade econômica, mas por exigência dos clientes”. Segundo ele, os empreendimentos preservam 50% de suas áreas e são certificados e auditados por organismos internacionais.
Também se manifestaram o secretário-adjunto do Meio Ambiente, Marcelo Camardelli Rosa, a promotora Anelise Staingleder, o diretor-geral da Secretaria do Desenvolvimento, Roger Pozzi, professores universitários e ativistas ambientais.
A audiência pública foi coordenada pelo presidente da Comissão de Saúde, deputado Neri, o Carteiro (PSDB), e contou com a participação dos deputados Zé Nunes (PT) e Joel Wilhelm (PP).